segunda-feira, 3 de maio de 2010

Esqueletos na paisagem santista

O atual aquecimento do mercado imobiliário em Santos contrasta com um passado menos brilhante da construção civil. Hoje, a Cidade conta com 18 prédios inacabados, a maioria deles com décadas de ociosidade, o que gera custos para o município, prejuízos para as respectivas vizinhanças e muita dor de cabeça para quem almejava concretizar o sonho da casa própria, comprando o imóvel ainda na planta, ou fazer um bom negócio, trocando um terreno por apartamentos novos.


O secretário de Edificações e Infraestrutura, Antônio Carlos Silva Gonçalves, diz que a grande maioria das obras paradas começou a ser feita na década de 90. Ele explica que, naquela época, as construtoras faziam muitos prédios a preço de custo. E grande parte era em troca de área. Alguém tinha um terreno, que trocava por um número de unidades no edifício novo. O pagamento desse terreno, portanto, acontecia quando a obra estava concluída. Como a obra não foi terminada, fica o impasse do terreno. O grupo de investidores se dissolve por vários motivos. A falta de fôlego para pagar a obra e o litígio com a construtora são algumas dentre várias razões.

“O que a gente percebe é que essas obras vão acumulando dívidas e a Prefeitura continua a cobrar impostos”, afirma Gonçalves. Além disso, há a cobrança das intervenções necessárias, quando surgem problemas de saúde pública, ou segurança. Toda multa que a Prefeitura emite é no nome do dono do terreno.

Sobre as medidas que o Município pode tomar em relação às obras paralisadas há anos, o secretário diz que elas são “mais burocráticas do que práticas”. Como os casos vão para a esfera judicial, “não tem como caminhar”, afirma Gonçalves.

À Prefeitura, entretanto, cabe encaminhar toda a documentação ao Judiciário. Se ela não fizer isso, a paralisação de qualquer empreendimento passa a ser sua responsabilidade. Quando há débito com a Prefeitura, ele deve ser inscrito na dívida ativa e, caso não ocorra a quitação, o problema é levado à Justiça. Esta, por sua vez, encaminha o terreno a leilão. O valor estará atrelado à dívida, e não ao seu preço de mercado. Aumentar a multa pela falta de limpeza também pode penalizar ainda mais os investidores e empreiteiros.

O secretário também destaca o desinteresse da Prefeitura por prédios assim. “Tem o custo da demolição, não é rentável. É melhor para o Município comprar o terreno limpo. A demanda da Prefeitura é mais emergencial e prática”.

Em relação aos prejuízos decorrentes das edificações inacabadas, Gonçalves aponta, em termos urbanísticos, a degradação do meio ambiente. “O entorno do imóvel paralisado é um ambiente ruim. Para os vizinhos, é uma dor de cabeça tremenda”, admite o secretário. “Fora que a sujeira nessas obras acaba gerando focos de doença. Para vizinhança, é um grande transtorno. Assaltos podem se tornar freqüentes pela facilidade dos bandidos de se esconder ali”.

Nos últimos três anos, em função do boom imobiliário na região, houve uma diminuição no número de prédios inacabados. Antes, não havia procura por eles em virtude dos problemas. “Nem sempre investidores querem essas obras. É muita dívida, imbróglio, e não vale a pena adquirir. Se a obra está parada, é porque há problemas enormes. O mercado da construção civil é sazonal. Quem tem dinheiro e experiência de mercado, compra qualquer terreno se for um bom negócio”, conclui o secretário.

As construções paralisadas também trazem prejuízos para quem mora próximo ao terreno da obra. Para a dona-de-casa Leonor Miranda, moradora da Rua Tomé de Souza, no Boqueirão, o terreno acaba desvalorizando os imóveis do bairro. Leonor é vizinha de um prédio inacabado que começou a ser construído há cerca de 13 anos na Rua Liberdade. "Por conta do medo de invasão de moradores de rua, as pessoas ficam com receio de comprar alguma casa por aqui". explica Leonor.

Com frequência, essas obras tornam-se moradia de ex-trabalhadores da obra, que em alguns casos chegam à Cidade justamente para executar o trabalho no local. Com a paralisação do empreendimento, esses funcionários acabam sem receber pelo serviço prestado e com isso ficam sem condições de ter um lugar para morar. A solução, então, é migrar com a família para o antigo local de trabalho.

Mas é justamente a presença desses trabalhadores – também abandonados - que tranquiliza os vizinhos do terreno. Leonor afirma que são eles que impedem invasões de desabrigados e que são os responsáveis por manter a ordem e evitar que arruaças aconteçam.

O secretário explica que a Prefeitura só tem o poder de intervir quando o número de moradores ilegais for elevado e estiver trazendo problemas à vizinhança. "Nós só podemos ordenar a retirada de pessoas desses locais se estiver ocorrendo alguma espécie de confusão, tráfico de drogas, algazarras ou superpopulação”.

Precaução

Uma das vítimas desses empreendimentos incompletos é o vendedor Nelson Giacomini Filho. Ele conta que sua família era proprietária de um terreno na Rua Duque de Caxias, entre a Clemente Pereira e a Teixeira de Freitas, no Campo Grande. Como de praxe, recebeu a proposta de uma grande construtora para que, em troca do amplo espaço, ficasse com seis apartamentos. A construtora, porém, não cumpriu o acordo. A edificação parou na quarta laje e assim permaneceu por mais de uma década. “Na planta, sempre é mais negócio”, explica Giacomini.

O preço é bem menor, se comparado ao das unidades do prédio já pronto. Para quem não dispõe de muitos recursos, pode ser a opção mais viável. “Levaram meus pais para um coquetel na sede da empreiteira, em Guarujá, e após alguns uísques entregaram a ele um contrato de promessa de compra e venda do terreno. Até cartorário a empresa teve o cuidado de levar nessa transação tendenciosa”, afirma o vendedor.

Nelson Giacomini atribui o impasse à falta de leitura dos contratos. “Quem está do outro lado é profissional, nós não. Somos apenas compradores com a vontade de realizar o sonho da casa própria”. Ele diz que se o contrato fosse cuidadosamente analisado, ou entregue nas mãos de profissionais, o problema teria sido evitado.

A construtora, que havia prometido a entrega dos apartamentos em 36 meses, “salvo por motivos de intempéries”, conforme o contrato, faliu. O que era para ser a realização de um grande sonho tornou-se um pesadelo de 20 anos. Durante esse tempo, o que se viu foi uma estrutura sucateada, foco de todos os tipos de transtornos.

Após anos de espera, em 2009, o terreno com a obra inacabada foi a leilão e arrendado por outra construtora. Em um ano, o prédio já está pronto para moradia. “Todas as pessoas que compraram não receberam nada. Mesmo aquelas que quitaram o valor total. Os donos da construtora fugiram e já não há mais nada em nome deles. O prédio está lá, mas sem nenhum dos compradores antigos”.

De acordo com o advogado Álvaro Moreira Beliago Neto, o primeiro passo a ser dado pela pessoa que pleiteia adquirir um imóvel na planta é fazer uma avaliação da empresa, conferir no cartório se todas as certidões estão regulares e checar no Procon a sua idoneidade, já que o órgão tem o cadastro de todas as empresas que trabalham de forma irregular. Outra medida fundamental é acompanhar sistematicamente os relatórios de prestação de contas no decorrer da obra. Vale verificar, por exemplo, se os prazos têm sido cumpridos rigorosamente e os elementos contratuais, obedecidos.

Para Beliago, o ideal é que haja acompanhamento de um advogado antes e durante a construção do edifício. Entretanto, caso haja o descumprimento do acordo entre as partes, o melhor a fazer é procurar a Justiça para que o caso seja encaminhado à esfera cível ou criminal.

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