Marcha Mundial das Mulheres debate trabalho doméstico e de cuidados
- "João, João, cozinha o seu feijão. José, José, cozinha se quiser. Zeca, Zeca, lava sua cueca. Raimundo, Raimundo, limpa esse chão imundo”. Essas palavras de ordem ecoaram nesta quarta-feira (dia 10) entre as duas mil militantes da Marcha Mundial das Mulheres que estão fazendo uma caminhada de luta e formação de Campinas a São Paulo. Hoje, elas andaram 14 quilômetros de Valinhos a Vinhedo, sob o sol forte da manhã.
Os gritos de luta chamando João, José, Zeca e Raimundo tratam de forma bem-humorada de um tema discutido pela Marcha Mundial das Mulheres na tarde anterior, no primeiro dia de atividades de formação da 3ª Ação Internacional no Brasil, ainda em Valinhos. As caminhantes se dividiram em quatro rodas de conversa para debater o trabalho doméstico e de cuidados, a partir de quatro questões-guia: como você vê o trabalho doméstico e de cuidados? Como essa realidade de apresenta na casa de cada uma? Mudou algo nesta rotina depois que você começou a participar do movimento feminista? Como imagina que encontrará sua casa quando você retornar após o dia 18?
Sônia, pescadora na Bahia, contou que na beira do rio São Francisco a mulher trabalha muito mais que o homem. “Enquanto ela limpa o peixe, prepara comida, cuida de menino, o marido está na rede dormindo”, afirmou a militante. Para ela, o machismo parece vir de nascença: Sônia ajudou a criar nove irmãos e nenhum deles tinha qualquer participação nos trabalhos domésticos. “Tive sete filhos, mas nunca deixei de fazer nada por causa deles nem do marido, porque eu ganhava meu próprio dinheiro.Quando eu me preparava para sair e meu marido reclamava que estava com dor de cabeça, eu dizia logo para ele tomar um comprimido e pronto. Que mais eu posso fazer? Não sou médica!”, gracejou a pescadora.
Neusa, do Rio Grande do Sul, lembrou que as pessoas tendem a naturalizar a responsabilidade das mulheres pelo trabalho doméstico e pelos cuidados com os familiares, sem perceber que essa obrigação é socialmente imposta. Fabiana, do Rio Grande do Norte, concordou e acrescentou que também, de forma quase inconsciente, muitas mulheres reproduzem a divisão sexual do trabalho na criação dos filhos. A mineira Sueli deu um depoimento que reforçou a triste ironia de a opressão sexista estar arraigada nas próprias oprimidas: ela contou que durante a faculdade, mesmo quando já morava só, tinha dificuldade de passear nos fim-de-semana, porque desde pequena aprendeu que sábado era dia de faxina.
“Além da divisão igualitária do trabalho doméstico entre homens e mulheres, nossa luta é também para que haja mais serviços públicos, como creches gratuitas de qualidade. Assim homens e mulheres poderão trabalhar e estudar”, defendeu Iolanda, militante de São Paulo. Ela afirmou ainda que “não existe libertação individual, toda libertação é coletiva”.
As discussões nos grupos sobre trabalho doméstico e de cuidados, de fato, mostraram que a autonomia das mulheres se fortalece quando o processo de sua conquista é coletivo. Genoveva, militante da Marcha no Rio Grande do Norte, por exemplo, enfrentou opressão do marido logo que eles se casaram. “Ele, que se virava só, deixou de fazer qualquer atividade na casa. Mas eu fui trabalhar fora, entrei para o movimento de mulheres e, aos poucos, a postura dele está mudando. Hoje cedo ele já me telefonou para perguntar como está a Marcha, para demonstrar solidariedade”, alegrou-se a militante.
Marcha na estrada
Nesta segunda manhã de caminhadas, foram as baianas quem puxaram a abertura da Marcha pela rodovia Anhanguera, entre Valinhos e Vinhedo. Com batuques, declamação de poesia e muita música, a delegação da Bahia não se deixou vencer pelo cansaço de enfrentar 14 quilômetros a pé, debaixo de um sol escaldante.
As duas mil mulheres que já estão em Marcha novamente acordaram cedo, às 4h. Tão cedo que alguns vizinhos do Parque da Uva, em Valinhos, incomodaram-se com o barulho do carro de som. Adriana e Leilane, do Rio Grande do Norte, responsáveis pela Rádio da Marcha, foram gentilmente avisadas pela Guarda Municipal de que precisariam interromper a programação até às 6h, quando termina o chamado horário de silêncio. Mas neste horário, conforme o planejado, a Marcha já estava novamente na rua.
Outras mil militantes, até o dia 18, também participarão da caminhada entre Campinas e São Paulo. Nesta tarde, haverá dez painéis temáticos: sobre economia solidária e feminista; saúde da mulher e práticas populares de cuidado; sexualidade, autonomia e liberdade; educação não sexista e não racista; mulheres negras e a luta anti-racista; mulheres indígenas; a mídia contra-hegemônica e a luta feminista; a mercantilização do corpo e da vida das mulheres; prostituição; mulheres, arte e cultura. Amanhã, a Marcha irá para Louveira, onde à tarde as militantes debaterão o trabalho das mulheres e autonomia econômica, com a presença da socióloga Helena Hirata.
- "João, João, cozinha o seu feijão. José, José, cozinha se quiser. Zeca, Zeca, lava sua cueca. Raimundo, Raimundo, limpa esse chão imundo”. Essas palavras de ordem ecoaram nesta quarta-feira (dia 10) entre as duas mil militantes da Marcha Mundial das Mulheres que estão fazendo uma caminhada de luta e formação de Campinas a São Paulo. Hoje, elas andaram 14 quilômetros de Valinhos a Vinhedo, sob o sol forte da manhã.
Os gritos de luta chamando João, José, Zeca e Raimundo tratam de forma bem-humorada de um tema discutido pela Marcha Mundial das Mulheres na tarde anterior, no primeiro dia de atividades de formação da 3ª Ação Internacional no Brasil, ainda em Valinhos. As caminhantes se dividiram em quatro rodas de conversa para debater o trabalho doméstico e de cuidados, a partir de quatro questões-guia: como você vê o trabalho doméstico e de cuidados? Como essa realidade de apresenta na casa de cada uma? Mudou algo nesta rotina depois que você começou a participar do movimento feminista? Como imagina que encontrará sua casa quando você retornar após o dia 18?
Sônia, pescadora na Bahia, contou que na beira do rio São Francisco a mulher trabalha muito mais que o homem. “Enquanto ela limpa o peixe, prepara comida, cuida de menino, o marido está na rede dormindo”, afirmou a militante. Para ela, o machismo parece vir de nascença: Sônia ajudou a criar nove irmãos e nenhum deles tinha qualquer participação nos trabalhos domésticos. “Tive sete filhos, mas nunca deixei de fazer nada por causa deles nem do marido, porque eu ganhava meu próprio dinheiro.Quando eu me preparava para sair e meu marido reclamava que estava com dor de cabeça, eu dizia logo para ele tomar um comprimido e pronto. Que mais eu posso fazer? Não sou médica!”, gracejou a pescadora.
Neusa, do Rio Grande do Sul, lembrou que as pessoas tendem a naturalizar a responsabilidade das mulheres pelo trabalho doméstico e pelos cuidados com os familiares, sem perceber que essa obrigação é socialmente imposta. Fabiana, do Rio Grande do Norte, concordou e acrescentou que também, de forma quase inconsciente, muitas mulheres reproduzem a divisão sexual do trabalho na criação dos filhos. A mineira Sueli deu um depoimento que reforçou a triste ironia de a opressão sexista estar arraigada nas próprias oprimidas: ela contou que durante a faculdade, mesmo quando já morava só, tinha dificuldade de passear nos fim-de-semana, porque desde pequena aprendeu que sábado era dia de faxina.
“Além da divisão igualitária do trabalho doméstico entre homens e mulheres, nossa luta é também para que haja mais serviços públicos, como creches gratuitas de qualidade. Assim homens e mulheres poderão trabalhar e estudar”, defendeu Iolanda, militante de São Paulo. Ela afirmou ainda que “não existe libertação individual, toda libertação é coletiva”.
As discussões nos grupos sobre trabalho doméstico e de cuidados, de fato, mostraram que a autonomia das mulheres se fortalece quando o processo de sua conquista é coletivo. Genoveva, militante da Marcha no Rio Grande do Norte, por exemplo, enfrentou opressão do marido logo que eles se casaram. “Ele, que se virava só, deixou de fazer qualquer atividade na casa. Mas eu fui trabalhar fora, entrei para o movimento de mulheres e, aos poucos, a postura dele está mudando. Hoje cedo ele já me telefonou para perguntar como está a Marcha, para demonstrar solidariedade”, alegrou-se a militante.
Marcha na estrada
Nesta segunda manhã de caminhadas, foram as baianas quem puxaram a abertura da Marcha pela rodovia Anhanguera, entre Valinhos e Vinhedo. Com batuques, declamação de poesia e muita música, a delegação da Bahia não se deixou vencer pelo cansaço de enfrentar 14 quilômetros a pé, debaixo de um sol escaldante.
As duas mil mulheres que já estão em Marcha novamente acordaram cedo, às 4h. Tão cedo que alguns vizinhos do Parque da Uva, em Valinhos, incomodaram-se com o barulho do carro de som. Adriana e Leilane, do Rio Grande do Norte, responsáveis pela Rádio da Marcha, foram gentilmente avisadas pela Guarda Municipal de que precisariam interromper a programação até às 6h, quando termina o chamado horário de silêncio. Mas neste horário, conforme o planejado, a Marcha já estava novamente na rua.
Outras mil militantes, até o dia 18, também participarão da caminhada entre Campinas e São Paulo. Nesta tarde, haverá dez painéis temáticos: sobre economia solidária e feminista; saúde da mulher e práticas populares de cuidado; sexualidade, autonomia e liberdade; educação não sexista e não racista; mulheres negras e a luta anti-racista; mulheres indígenas; a mídia contra-hegemônica e a luta feminista; a mercantilização do corpo e da vida das mulheres; prostituição; mulheres, arte e cultura. Amanhã, a Marcha irá para Louveira, onde à tarde as militantes debaterão o trabalho das mulheres e autonomia econômica, com a presença da socióloga Helena Hirata.
Marcha Mundial das Mulheres - nasceu no ano 2000 como uma grande mobilização que reuniu mulheres do mundo todo em uma campanha contra a pobreza e a violência. As ações começaram em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e terminaram em 17 de outubro, organizadas a partir do chamado “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”. A inspiração para a criação da Marcha Mundial das Mulheres partiu de uma manifestação realizada em 1995, em Quebec, no Canadá, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”.
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